domingo, 12 de dezembro de 2010

Oxigênio: Cia Brasileira de Teatro - Sapateira Prodigiosa: George Sada








Curitiba ontem, no sábado de dezembro, fluía nas ruas do final de tarde com luzes que se acendiam e pareciam mais vivas. Os carros tinham uma velocidade diferenciada e arranques nos semáforos. O céu com o sol se escondendo atrás das nuvens parecia que estava coordenando aquele teatro de meditação de Descartes. Um olhar de um observador do terceiro andar numa janela envidraçada com uma vista panorâmica do espaço da Cia Brasileira de Teatro. O Oxigênio da revelação nesta meditação me levou a querer este olhar. Um espaço arquitetônico com mescla européia de uma indicação paradisíaca urbana. Quase um loft de uma noite acordada.

Fiquei sabendo desta peça “Oxigênio” através de um cartaz que dizia no Largo da Ordem, e era no Largo da Ordem. Ora, como pode um lugar no meu habitat que desconheço? Uma tal de Rua José Bonifácio. Nunca vi falar desta rua. E olha que tive dificuldade para achar a tal rua. Só que eu estava em cima dela e é a rua ao lado da catedral que tem a galeria Julio Moreira do Largo. Fico pensando se minha mãe e minha avó Margarida conheciam esta rua, sendo que iam toda a semana de carroça vender verdura neste ponto de encontro dos polacos? Você passa a vida num lugar e não sabe que ele tem uma forma.

O Loft da Cia Brasileira de Teatro pensado por um arquiteto é aquilo num espaço urbano conturbado, cheio de bêbados boêmios e traficantes de drogas. E só dentro que se descobre uma harmonia paisagística. Porque aquela esquina é o fim do mundo, merecendo um filme com concepção entre a querela de Voltaire com Diderot. Voltaire mostrando uma elitização dos costumes no seu teatro de sua época como o discurso contemporâneo do teatro hoje. Um teatro que parece um loft.

Mas neste céu paradisíaco existe o inferno, com o bem e o mal dos maquineus e orfeônicos, tema da peça Oxigênio, também. Logo mais explico este também.

A Cia Brasileira de Teatro vem sendo falada na mídia e isto sempre me incomodou por não conhecer esta companhia. E ela estava mais perto do que eu pensava. Estava na rua dela e na rua que é minha também. E a descoberta foi prazerosa, numa entrada e recepção lembrando os tempos que visitava os escritórios de arquitetura quando vendia persianas. Uma recepcionista agradável que já delineou toda estrutura do espaço, sendo que uma tecla do interfone era para a sala de ensaio, a outra para o escritório e a outra para a sala de um arquiteto. Não sei qual a relação deste escritório com o teatro, por enquanto.
Em cima da mesa do escritório tinha uns dez livros de textos de teatro em francês. Que o diretor esteve na França e comprou para traduzir e montar em Curitiba. E no dia seguinte apareci para assistir o “Oxigênio”. Fiquei nesta sala de espera no terceiro andar que dava para a rua descrita no início deste texto. E as expectativas na minha cabeça começaram a entrar em transição. E começou com meu encontro com o diretor, que até então, acreditava não conhecer. E o emaranhado começou a se desvendar. O sonho de descartes pleiteou a realidade.

O teatro contemporâneo envelhecido precisa da expectativa e da venda da imagem. E num sonho de segundo plano ele não é eficiente. Se cria uma imagem que cada um dos componentes do público vai criar por si só. Embora tenha este rebanho que anota as referências e aplaude como se fosse á glória.

O programa do espetáculo, digno de um livreto de ópera, trás as explicações dos caminhos tomados para a construção da obra. Um texto de Ivan Viripaev que parece ser um russo que se deu bem na França. Tem até um longa metragem em andamento. Embora o texto foi traduzido do russo pelo diretor quando estava na França. Mon dieu! Ainda quero ser o personagem Oskar do livro "O Tambor" de Günter Grass para poder quebrar todas as vidraças do mundo. 
Tratado como um russo nos moldes de Dostoievski e até uma citação no livreto para intimidar: “E quando você decidir dar lição no outros, primeiro se pergunte se você tem o mesmo talento que tinha um escritor russo, que sabia descrever tão bem a tragédia dos outros”. Citação que se repetiu na voz dos atores no espetáculo, também. E isto me lembro uma leitura dirigida pelo diretor Marcio de Abreu na Act, com o Luiz Melo num texto de Tchekcov. Tinha uma Nina nele que não deu certo. Não era a Gaivota, e nem era russo pela disposição de acreditar que podiam ter chegado a algum lugar. Não tinha a densidade russa e o glamour decadente da pré revolução. Nem lembraram que naquele lugar caia neve. A neve no tropical é muito questionável. E alguns acham que ainda podem fazer os textos europeus.    

O Viripaev fez uma sala de limão com todas as questões sendo discutida, da contra-cultura, num mesmo texto. Uma carga enorme para os atores carregarem. Uma peça machista, levando em conta que também era sacra. Por que todos sabem que a bíblia é machista e o texto também o foi. O grande destaque foi o ator Rodrigo Bolzan e a fragilizada Patricia Kamis que teve de assumir uma frequência de atitude e agressividade masculina em cena. Uma manutenção de um ritmo desenfreado por medo de perder a cena do diretor. Era uma peça desfile show de rock, e teve até o momento que procurei contar quantos all star estavam circulando naquela sala. Alguns momentos pensei estar ouvindo meu pai pregando na igreja com tanta moral sendo dita, com tanta faca cortando as orelhas. Num mundo que já teve até o teatro absurdo não dá mais para suportar esta realidade massacrante do discurso. A peripécia esta toda errada. Não dá para pensar que o público define o objeto da arte na sua interioridade. O espetáculo tem que ser a interioridade, e não adianta o ator sentar no meio do público se o espetáculo não chegou no interior. O Viripaev Wenders não decolou como um anjo. O espetáculo tem que cuspir duração. E falando em tempo de espetáculo, alguns da platéia bateram palma achando que tinha acabado a peça. Para quem escreve o nome das coisas tão bem o espetáculo deveria continuar se chamando “Kislorod”, que traduzindo, segundo eles é “Oxigênio”. Mas, dá para entender os motivos.



Sapateira Prodigiosa  - George Sada - Cena Hum. 


        

Neste texto vou falar de outra peça, a “Sapateira Respeitosa” do Garcia Lorca que me lembrou o nome da “Prostituta Prodigiosa” do Sartre. A “Sapateira Prodigiosa” foi dirigida pelo George Sada do Cena Hum.
Sem vontade de fazer um artigo só para este espetáculo por que não tenho muito o que falar. Culpa de uma doutora especialista neste autor que criava uma aura com os atores, nos espetáculos dela, de uma dimensão dogmática esquisita.

A expectativa foi diferente neste espetáculo. Começando pela recepção que o atendente do quiosque de lanches resolveu me encher de café. Mas, não que isto tenha algum reflexo no espetáculo em termos de expectativa. Ainda assim esperava muito menos da Sapateira. Não houve uma pré seção de imagens para garantir que ele é bom. Uma flecha de Zenão mirada no meio do palco acabou atingindo meu peito. Um musical desenvolvido com tanta sutileza e destreza dos atores feito com milímetros de grandeza. E não acabou na medida de vibração dos aplausos. O diretor nos aplausos delineou o espetáculo com o devido valor os elementos de composição. Ali não teve diretor e sim um espetáculo que acabou e não acabou e foi muito rápido. Como uma bala doce na boca que acaba rápido. Uma duração.   


Carlos Jansson