sábado, 3 de maio de 2014

Iracema 236ml


A selvática é um grupo de difícil digestão. E falar deles é quase um sacrilégio diante da falta de linearidade nos trabalhos. Eles são diferentes e sei que sou diferente deles. E procuram uma aproximação no diferente que atinge em cheio no teatro. Há um choque aniquilador de uma honestidade de mundo. Sempre um "país das maravilhas" se pluralizando. Abusam na imagens e não tem medo dela. Brincam com os sentidos visuais e com uma entrega abrupta que chega marcando. São capazes das maiores loucuras e isto não é só neste trabalho.

Iracema é sem dúvida o melhor trabalho deles, e olha que já assisti uns trocentos de uma continuidade insistente de obras de um enganchamento de grupo. Este ainda dá um embasamento linear por estar com o pano de fundo a literatura de nossas terras, se é que é nossa, e se for também dane-se. Faz uma crítica consciente de um consciente fragmentado destes que temos interiorizados e se tornando prática que no geral o humano faz pouco proveito. Nunca chega ao formal e sempre permanece no dinâmico e dinâmica do mundo. Revelam e tentam revelar o mundo como ele é e este é o ponto que mais me aproximo deles.

Este espetáculo é impressionante do começo ao fim e o grupo de envolvidos fazem dele uma entrega total. Grandes atores e um ganho com a incorporação do Bello que tem uma presença de palco inegável. Falar de um deles é até um pecado diante da grande atuação de todos eles. Cada um tem sua especificidade que sabem somar e a presença aflora sem perder no ganho da cena. Cada cena em quadros seguram com precisão muito pela entrega do trabalho e do grupo que acabam sempre juntos. Com certeza é um dos melhores trabalhos que assisti ultimamente e como é o ápice e "não tenho culpa da miséria humana" não garanto que possa repetir a grandiosidade deste trabalho. Quando se chega a este ponto todos tem que ver porque é onde a arte se manifesta na sua grandeza.

Poderia dizer que esta minha colocação estivesse na condição despretensiosa de Kant. E que o gostar não se relaciona com nenhuma forma de absorver como uma crítica. E é aqui que vejo algo que não deu certo na argumentação porque o trabalho instiga a reflexão. Não é uma destas reflexões das mais normais diante de um grupo que é o mais maluco que já vi. Lembrando que buscar referências neles é algo quase impossível mas lembra o teatro absurdo na forma de uma irracionalidade que acaba não sendo. Não tem nada de irracional sendo que ela tem um íntimo fragmentário honesto do nosso olhar que não é colocado na prática. Mas num momento de introspecção ela está lá bailando. E é esta honestidade percebida por eles é que faz toda a originalidade do trabalho deles. Sempre vejo como uma construção de uma biografia que a autora brinca de ser que passa como numa passarela neste mundo que não temos culpa pela miséria humana que nos foi imposta.

Eles estão no Teatro Novelas Curitibanas com entrada gratuita. Não prometo que vão gostar. Mas pode ter certeza que o trabalho deles sempre se repete nestas características e não vão mudar. Aceite que é melhor. A crítica da imprensa já percebeu isto e vem destacando eles então é uma boa hora.

http://guia.gazetadopovo.com.br/teatro/iracema-236ml/9022/1205/